sexta-feira, 22 de maio de 2020

"O anátema do voto em branco"

Caro leitor,

Muitos foram aqueles que ao longo dos anos me ouviram falar sobre o voto em branco. Verdade seja dita: não estava totalmente correcto. Porque muitas vezes evoquei a nossa Constituição em vão (falta de actualização).

No entanto, após muita pesquisa, consegui encontrar um texto de alguém, com muito mais conhecimento que o meu e que aqui vou transcrever parte, para poder servir-me de apoio sempre que por alguma razão tenha de falar sobre o tema. Irei sublinhar as partes que mais me importam no texto, para alancar a minha perspectiva face ao tema.

De Seu autor: Vital Moreira, ao Jornal Publico em 06.04.2004

"Deixando de lado a questão de saber se José Saramago apelou ou não o voto em branco - o que ele repetidamente tem negado -, bem como a dúvida sobre a exacta interpretação da metáfora do maciço voto em branco, aliás "espontâneo", no seu "Ensaio sobre a Lucidez", a verdade é que a generalizada condenação do voto em branco que se lhe seguiu na opinião publicada assenta no equívoco de que ele é, por definição, uma expressão de hostilidade à democracia. (...). Sob o ponto de vista da generalidade dos cidadãos, a democracia eleitoral é portanto a liberdade de optar, ou não, pelos candidatos que lhe são propostos.Ora este pressuposto natural das eleições pode falhar por vários formas, nomeadamente a abstenção, o voto nulo e o voto branco. (...). No caso do voto em branco, que ao invés implica a participação no acto eleitoral, as motivações podem estar na rejeição das candidaturas ou das opções em presença, na dificuldade ou impossibilidade de escolher entre elas, ou também na rejeição do próprio mecanismo eleitoral ou referendário. No caso da anulação voluntária do voto, as motivações podem ser semelhantes às do voto em branco, (...).
Além disso, o voto em branco é uma maneira perfeitamente democrática de exprimir descontentamento político, designadamente a rejeição das opções eleitorais em presença e a crítica dos "défices democráticos" existentes (...). Votar em branco ainda significa utilizar instrumentos democráticos (justamente o voto) para mostrar uma posição política, sendo por isso preferível à abstenção (...). Em vez de uma posição antidemocrática, o voto em branco pode, portanto, ser lido antes como um alerta contra o conformismo democrático em relação à crescente alienação cívica, uma espécie de "sobressalto democrático" em prol de uma "regeneração" da cidadania democrática e da democracia representativa.São várias as razões por que os partidos políticos e os comentadores são mais complacentes com a abstenção do que com o voto em branco. Primeiro, porque a abstenção é muito mais equívoca no seu significado (...), enquanto o voto em branco tem um sentido tendencialmente mais unívoco, de rejeição do quadro partidário ou das opções políticas existentes. Segundo, porque, em resultado dessa diferente motivação, uma considerável votação em branco implica uma crítica muito mais severa ao "statu quo" político do que a abstenção, por mais maciça que esta seja, visto que esta pode ser sempre descartada como consequência mais do "desinteresse" e da "alienação cívica" em geral do que como crítica dos partidos e das práticas políticas prevalecentes. O voto em branco supõe uma atitude deliberada e uma crítica de mais forte intensidade. Se em vez de 20 por cento de abstenção houvesse 20 por cento de votos em branco, era muito menos aceitável a ausência de resposta política a esse manifesto alerta cívico (...). A abstenção eleitoral é o grau zero da cidadania, não o voto em branco."





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